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A ameaça invisível

  • Foto do escritor: Flora Simon
    Flora Simon
  • 31 de ago. de 2020
  • 3 min de leitura

Desta vez, foi o silêncio que a acordou. Julia abriu lentamente os olhos, a claridade a cegava e suas têmporas latejavam. Ao alcançar o celular, encostou na garrafa de uísque que se estilhaçou no chão. Xingando inimigos invisíveis, ela se levantou pelo outro lado da cama e espiou pela janela, ainda buscando compreender por que não escutava os carros buzinando em plena segunda-feira. Embora estivesse morando no condomínio antigo há pouco, ela já havia notado o intenso movimento daquela região.


Enquanto ligava o celular, se dirigiu à cozinha em busca de café preto. Ao colocar a chaleira no fogo, mirou a tela do aparelho e se surpreendeu com o horário. O maior choque, entretanto, foi a quantidade de mensagens, muito acima do que ela já havia recebido mesmo no auge do seu trabalho como detetive. Conforme o café filtrava, ela passou os olhos pelas conversas, parando no grupo do condomínio, ignorado por ela desde a sua mudança para lá. A notícia do momento era um anúncio feito pelo governo, impedindo as pessoas de saírem de suas casas.


A indignação de Julia não foi pela privação da liberdade, mas sim pela falta de avisos e qualquer contato da delegacia onde ela trabalhava. Apesar de estar temporariamente afastada, ela ainda tinha posse de sua arma e distintivo. Pegando a xícara pronta de café e dando um largo gole, foi até a janela. Ao abrir a basculante, ouviu um grito abafado seguido do barulho de algum peso grande caindo. O som lhe era familiar. Alguns meses já haviam se passado, mas a cena permanecia viva em sua mente.


Rapidamente, ela vestiu uma roupa leve e buscou sua arma e algemas. Ao menos agora as escadas velhas de incêndio do prédio teriam alguma utilidade. Julia se esgueirou por baixo da basculante e pousou, sem ruído, na estrutura metálica externa. Pé ante pé, foi subindo as escadas até a origem do som. Quando se aproximou da janela do vizinho, conseguiu distinguir a figura de uma mulher, que parecia estar desmaiada. O vidro continha uma mancha fresca de sangue, que escorria por trás da cabeleira.


A detetive notou que a janela não estava trancada, o que permitiu a entrada dela no apartamento. Conferindo o pulso da vítima, verificou que a mulher ainda estava viva. Ao se levantar para olhar o restante do quarto, ouviu um barulho próximo. Espiou ao redor e notou um espaço na lateral do armário, onde se escondeu. Prendendo a respiração, viu um homem se aproximar da mulher inconsciente.


- Só o que me faltava... Nem pensar que vou sair para um hospital agora, ela que se vire. - resmungou, olhando com desprezo para a vítima.


Julia, ao encarar a fisionomia do homem, se segurou para não dar um grito. Ela reconhecia aquela voz... Era de um homem cujo olhar feria sem tocar. Cujo toque dava nojo sem se aproximar. Suas palavras feriam, e seu cheiro causava náuseas. Mas como ele poderia estar vivo?! Não era possível! Respirando fundo, ela se aproveitou do efeito surpresa para sair do esconderijo, apontando a arma diretamente para o peito dele.


- Vo-você de novo? – gaguejou o homem, parecendo ainda mais chocado do que ela - Você veio atrás de mim, é? Um não foi suficiente para você, quer a família toda? - ele gritou, subitamente adquirindo coragem.


Foi aí que ela se lembrou. No dia em que ela foi julgada por ter salvado de forma eficaz uma vítima de seu algoz, o irmão dele também estava presente. Os mesmos olhos castanhos a haviam ameaçado de morte. Mas ela não cometeria o mesmo erro duas vezes. Embora a vontade fosse a mesma, a justiça deveria ser feita da forma correta.


- Mãos para o alto, ou eu atiro! – gritou ela. Ela suava, porém sua mão permanecia firme no gatilho.


Subitamente o homem pulou em sua direção, e ela disparou. O tiro pegou o ombro do agressor, que tropeçou para trás. Julia, sem pestanejar, puxou sem piedade os dois braços dele, fechando nas algemas. Respirando fundo, empurrou-o para o lado e resgatou a arma, apontando para a cabeça dele. Enquanto discava com a mão livre para a delegacia, sentiu alívio. A detetive já estava farta destes abusadores, mas agora sabia que a moça desmaiada teria justiça; e ela; redenção.


 
 
 

2 comentarios


vanessaheidrich75
02 sept 2020

Muito bom !!!

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missel.denise
01 sept 2020

Adorei, quero continuação desse personagem 😍

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