Crônica de uma obra anunciada*
- Flora Simon
- 7 de dez. de 2020
- 2 min de leitura
por Flora Würth Simon
*o nome não tem relação com a obra de Gabriel García Márquez, porém vocês entenderão o motivo dele ter sido escolhido.
Acordei faz algumas semanas sem entender se as motos estavam mais barulhentas do que o normal, ou os aviões subitamente decidiram aterrissar rentes à minha janela. Não sendo uma pessoa muito matinal, ainda mais em um dia frio, demorei um tempo a entender o que acontecia. Abrindo lentamente a janela, eis a resposta: britadeiras, furadeiras, serras, martelos e outros objetos utilizados em obras. Vários outros, e mais de uma dúzia de obreiros: ou seja, evidencias de que aquilo iria longe.
É claro que se eu usasse o elevador do condomínio ou fosse a dona do apartamento onde moro – que é ótimo, obrigada, mas alugado – saberia que o síndico tinha avisado das obras. Ainda tomada de surpresa, coloquei a água para passar aquele café e tentar entender porque meu cérebro parecia estar sendo perfurado como em uma lobotomia. Eu sei, parece exagero, mas eu moro no primeiro andar e a obra se passaria toda no térreo - ou seja, eu me tornaria uma testemunha fiel de tudo que viria a acontecer.
Tentando abstrair aquela desarmonia de perfurações misturadas com batidas de todo o tipo nas escadas e no andar térreo, engoli a xícara de café e me preparei para começar o dia. Um dia de home office, como muitos dos próximos, e ainda minha realidade atualmente. Tentei buscar o lado positivo daquilo tudo: o prédio ficaria mais bonito, mais seguro; eles vão reformar o bicicletário, quem sabe assim me animo a dar mais voltas na velha amiga - sem ironias, ela tem mais de 20 anos.
Passando os dias que viraram semanas, o ritmo da obra se conectava com o ritmo do meu trabalho – ou a bagunça que ele se tornou. A impressão que eu tinha é de que os momentos em que eu precisava de fato me concentrar, eram aqueles em que a parede era perfurada com mais afinco. Determinada a não me deixar levar pelo ódio que me consumia, passei a escutar jazz ou musica clássica a um volume que tenho certeza que não era saudável, mas indispensável na ocasião.
Uns bons meses depois, gostaria de finalizar esta crônica dizendo que a obra acabou. Mas não, ela segue no ritmo infinito do que não parece ter pressa em andar. Consegui, entretanto, conviver com ela – observar cada evolução, cada novo piso colocado, cada MDF que se tornaria a parede do futuro novo portão. Posso dizer, agora, que não procuro culpados: obras em prédios, ainda mais antigos como o meu, são mesmo necessárias. E para manter minha sanidade mental, aprendi a lição: respirar, não pirar, e escutar música ao máximo nos momentos de aflição.
Ao menos não posso chamar meu home office de tedioso :)
E você, já teve que conviver com obras no prédio?
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