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Uma simples questão de educação

  • Foto do escritor: Flora Simon
    Flora Simon
  • 29 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

- Boa tarde, senhor Samarco, pode se sentar, por favor - solicita o policial mais velho - Imagino que você saiba porque foi chamado aqui.


- Eu não vejo sentido nenhum em fazerem isso, mas não tenho nada a esconder. Podem perguntar o que quiserem - fala o homem, empurrando a ponta dos óculos para cima e ajeitando-se na cadeira.


- Onde você estava na madrugada do dia sete de setembro, quarta-feira passada? - pergunta o segundo policial, mais jovem, enquanto apoiava na mesa uma pasta fechada.


- Veja bem, se era madrugada, com certeza dormindo... Minha rotina é bastante rigorosa, costumo levantar cedo para ir à fábrica - sussurra o homem, com a voz calma.


- Você tem alguma prova disso?


- Provas? Não preciso de provas, é só perguntar para minha esposa, ela vai confirmar tudo.


- Muito bem, senhor Samarco. Poderia nos contar um pouco da sua rotina? - solicita o policial mais velho.


- Não vejo por que isso seria relevante, mas também não tenho nada a esconder.

Ele cruza os braços.

- Eu acordo todos os dias às seis horas, tomo um banho com calma, me visto e como lentamente meu café da manhã na companhia da minha esposa. Depois pego meu carro e dirijo até a fábrica. Quando chego às oito horas já estão trabalhando o guarda diurno, o gerente e a minha secretária. Atualizo a agenda com ela e vou até minha sala trabalhar.


- E a sua esposa sempre toma café com você?


- Sim, todos os dias desde que somos casados.


- Na quinta-feira passada, então, o senhor chegou na fábrica às oito horas, cumprimentou o guarda, se atualizou com a secretária e foi para a sua sala.


- Eu não... Quer dizer, sim, foi o que eu acabei de dizer - balbucia Samarco.


- Vejo que dar as mãos para cumprimentar é algo que você costuma fazer - disse o policial mais novo.


- Uma simples questão de educação - completa o mais velho.


- É... é, aham. Qual o problema? - Ele começa a roer as unhas e desvia o olhar para a porta.


- Não seria um problema se não fosse uma exceção. - fala o mais novo.


- Justo naquele dia você resolveu ser um pouco mais educado... - comenta o mais velho, coçando o queixo e encarando o homem.


- Mas o que é que os senhores estão insinuando? Já disse, pergunte para minha esposa, eu dormi em casa naquela noite - responde ele, elevando a voz, e olha novamente para a porta.


- Os guardas sempre se dão as mãos, se cumprimentam todos os dias - começa o mais velho.


- Mas você NUNCA cumprimentou ninguém. Nós tivemos acesso às câmeras - completa o mais novo.


- Vimos o senhor cumprimentando o guarda diurno, pela primeira vez em 15 anos de serviço. E veja só, no dia seguinte a notícia de que uma elevada carga de efluente havia sido jogada no rio, matando inúmeros peixes.


- Eu só acordei mais animado aquele dia, e daí?! - Samarco eleva o tom até quase despejar um grito.


- Nós temos o bilhete, a sua letra confere - diz o policial mais velho, abrindo a pasta que estava em cima da mesa.


O homem suava frio. O cabelo, antes ajeitado, estava despenteado. Ele olhava para todas as direções, menos para os policiais.


- Se você fosse mais educado a vida inteira, poderia ter se safado dessa - falou o policial mais novo, pegando as algemas e indo até Samarco.


- Lição aprendida, não? - riu o mais velho, abrindo a porta para eles passarem, e deixando a sala de interrogatório para trás.


 
 
 

1 Comment


lfockink
Oct 04, 2020

Hahahaha! Amei a maneira com que Samarco foi pego!

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